Ciclone Idai: Daviz Simango, o homem do terreno e de pouca mediatização
"Neste momento que estou a falar consigo estou a trabalhar no campo", assegura o edil da Beira. Daviz Simango relata as dificuldades em apoiar os citadinos e diz que está na luta para continuar a obter mais apoios.
Depois de alguns dias sem telecomunicações por causa do ciclone Idai, que atingiu o centro de Moçambique na quinta-feira (14.03.), finalmente já se pode falar por telefone para a região. Os moçambicanos celebram o fim do silêncio porque podem finalmente saber melhor do ponto de situação e sobre os seus familiares nas áreas afetadas. Para a DW África isso facilitou a conversa com o presidente do município mais afetado, a Beira, Daviz Simango.
DW África: Pode nos descrever a situação na cidade da Beira depois do ciclone Idai?
Daviz Simango (DS): O ciclone foi com ventos extremamente fortes que destruíram a nossa cidade. Tivemos infraestruturas públicas, privadas, escolas, hospitais e casas destruídas. O setor económico ficou bastante afetado, os armazéns, lojas e barracas ficaram destruídos. Ficamos sem comunicação e estamos com carências muito fortes de água e agora estamos a enfrentar a especulação de preços por parte de alguns vendedores. Portanto, a Beira está às escuras, virou uma cidade fantasma durante a noite, é extremamente penoso. Faltam alimentos para a população e estamos a fazer tudo por tudo para abrir as estradas porque as árvores caíram bloqueando quase todas as estradas da cidade da Beira, os postes de energia caíram, portanto, é um desafio enorme que temos para recuperar e tentarmos voltar à normalidade.
DW África: E quais são as necessidades da população agora?
DS: Passa necessariamente por alimentos e coberturas, as populações estão sem teto e precisam de chapas. Precisam de água, de roupas, porque muitas populações têm as suas roupas molhadas ou desapareceram, esses são os grandes desafios. Depois temos muita população, sobretudo idosos e crianças órfãs que ficaram sem casas, não têm onde dormir.
DW África: Desde que o ciclone atingiu Beira, o senhor como edil da cidade encetou alguma ação de apoio aos citadinos e de recuperação de infraestruturas básicas, por exemplo?
DS: Sim, é preciso recuperar infraestruturas básicas, mas isso é um ato extraordinário, é preciso que haja recursos e naturalmente com o orçamento do município é praticamente impossível. Só para ter uma ideia, o próprio edifício do Conselho Municipal sofreu [com o ciclone], as infraestruturas públicas que construímos e a casa mortuária sofreram, portanto, temos de começar do zero.
DW África: E que tipo de apoio o seu município está a prestar?
DS: A situação é crítica e caótica, é preciso que, de facto, o município tenha apoios extraordinários para poder fazer face a esta situação. Neste momento que estou a falar consigo estou a trabalhar no campo, a nossa vida é estar [junto] da população e tentar resolver esses problemas todos.
DW África: Houve gente que esperou de si uma palavra ou um ponto de situação nos últimos dias. Era possível isso ter acontecido nas condições em que se encontravam?
DS: Nós estamos em constante contacto com a população e demos já todas as instruções que são necessárias para garantir a segurança das pessoas.
DW África: Há várias campanhas de mobilização de ajuda em curso no país. O seu município está conectado com essas campanhas?
DS: Vamos lançar publicações nos próximos dias, amanhã vou reunir-me com embaixadores exatamente para pedirmos apoio para a nossa cidade.
DW África: E em relação às campanhas internas, feitas pelos cidadãos, vocês estão em coordenação com elas?
DS: O setor privado na Beira está a apoiar-nos diretamente, tive contacto com o representante da embaixada da Índia na Beira, já chegaram três navios de guerra da índia com produtos, medicamentos, água e cinco enfermeiras e duzentas pessoas a bordo juntamente para darem assistência às populações.
DW África: A eclosão de doenças como a cólera é esperada em breve. Os hospitais estão, preparados para fazer face a isso?
DS: Os hospitais não têm energia. Muitas das análises de controle e exames médicos que requerem corrente elétrica não estão a ser feitos agora porque o Hospital Central da Beira, que é o hospital mãe e regional, neste momento não tem energia e por isso não pode fazer diagnósticos. Há muitos doentes que estão a morrer e há doentes que estão a voltar para a casa exatamente porque não se consegue fazer o diagnóstico por falta de energia.
DW África: Depois deste ciclone acredita que a cidade da Beira voltará a ser como antes?
DS: A cidade está destruída, é preciso começar do zero e nós temos de nos preparar para isso. Já aconteceu em muitos países depois de guerras mundiais que se reergueram das cinzas e a Beira tem de se reerguer das cinzas porque a cidade está mesmo destruída.
DW África: Um estudo feito há poucos anos prevê que a cidade da Beira vai desaparecer até 2030. Esta catástrofe terá sido um primeiro golpe forte nessa direção?
DS: Isto foi um ciclone, não se previa um ciclone deste género. Estamos a falar de ventos na ordem dos 240 km/h. Nenhuma infraestrutura resiste a uma velocidade dessas.
DW África: No contexto desta catástrofe aconteceu excecionalmente ontem (19.03.) o Conselho de Ministros na cidade da Beira. Foi convidado a participar?
DS: Não, não fui convidado a participar nessa reunião. Como pode imaginar, não sou membro do Governo e nem do Conselho de Ministros. Em condições normais se quisessem que eu participasse, poder também colaborar e informar ao Conselho de Ministros sobre a situação no terreno, deviam ter feito um convite formal para eu lá estar e isso não foi feito.
DW África: Há algum trabalho de coordenação entre o Governo central e o Conselho Municipal da Beira?
DS: Recebi uma equipa do INGC (Instituto Nacional de Gestão de Calamidades), mas não temos nenhuma informação, eu oiço dizer que a União Europeia e a Anadarko fizeram doações, mas oficialmente não temos nenhuma informação.
DW África: Não há uma conjugação de esforços?
DS: Não há conjugação de esforços.
DW África: O seu município tem estrutura para recuperar a cidade sozinho?
DS: Nenhum território ou país que passa por uma situação destas recupera sozinho, por isso não vamos falar do município que se vai recuperar sozinho. É esconder a verdade dizer que o município por si só vai sobreviver, é preciso compreender que existem os pactos e acordos internacionais de que todos os apoios vão desaguar no INGC ou no Governo central. Agora, cabe a essas instituições partilhar parte desses apoios com esta população da Beira que precisa.
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