ANTIGO DIRECTOR DO CREDIT SUISSE CONTA COMO SURGIRAM AS DÍVIDAS OCULTAS
Esta terça-feira esteve em tribunal de Brooklyn, em Nova York, Surjan
Singh, antigo director na Credit Suisse, que ajudou a mobilizar o financiamento
das dívidas ocultas e contou como tudo começou. Disse que o empréstimo
originalmente concebido para Moçambique financiar a protecção da sua Zona
Económica Especial (ZEE) foi de 350 milhões de dólares entretanto, o valor
final das dívidas ocultas acabou por exceder 2 mil milhões de dólares porque
Surjan Singh e seus colegas na Credit Suisse mobilizaram mais dinheiro para
aumentar o valor de comissões ilícitas que tinham a receber. A Privinvest havia
prometido aos colaboradores do banco suíço que iria pagar comissão proporcional
ao valor de empréstimo mobilizado por cada colaborador. Foi assim que começou a
corrida em busca de dinheiro dos fundos globais de investimento para conceder
empréstimos à Moçambique. “Do lado moçambicano, havia um ministro das Finanças
chamado Manuel Chang, disposto a assinar garantias para avalizar os
empréstimos, em troca de subornos milionários. E… um filho do presidente da
República chamado Armando Ndambi Guebuza, que falava com o pai para dar apoio
político ao projecto.”
Surjan Singh é um cidadão britânico que entre 2012 e 2013 trabalhava como
Director Geral do Global Finance Group, da Credit Suisse, em Londres. Ajudou a
mobilizar fundos para conceder empréstimos a ProIndicus, EMATUM e MAM e a
manipular informação para permitir que projectos sem viabilidade económica
fossem concedidos elevadas somas de dinheiro em empréstimos. Pelo seu
desempenho nesta empreitada, recebeu milhões de dólares de comissões ilícitas.
Disse ao tribunal que recebeu 5.7 milhões de dólares. Foi detido a 3 de Janeiro
de 2019 em Londres juntamente com seus dois colegas do Credit Suisse, Andrew
Pearse e Detelina Subeva, acusados de conspiração para defraudação de
investidores norte-americanos que participaram dos empréstimos das empresas
moçambicanas, para além de conspiração para lavagem de dinheiro ilícito e
conspiração para violação das regras de segurança financeira dos Estados Unidos
da América.
Pelos crimes dos quais Surjan Singh é acusado seria condenado a pena de mais
de 40 anos de prisão. Sem muitas saídas, decidiu declarar-se culpado de alguns
dos crimes de que é acusado, de modo a poder reduzir a pena de prisão. No
acordo que assinou com o Governo americano, Singh comprometeu-se a devolver 5.7
milhões de dólares que recebeu de suborno da Privinvest para além de não
recorrer à pena de prisão que não exceda 20 anos, caso o mesmo assim seja
declarado culpado no caso. Este acordo mudou a posição do antigo colaborador do
Credit Suisse de arguido para testemunha do Governo, prometendo revelar os
contornos de corrupção. Foi nesta posição que compareceu esta terça-feira em
Tribunal para prestar declarações sobre como se desenrolou o caso de corrupção
nas dívidas. A origem das dívidas ocultas segundo Surjan Singh Através de e-mails
trocados entre Jean Boustani, os moçambicanos implicados neste caso e outros
executivos do Credit Suisse, Surjan Singh mostrou como todo o esquema de
corrupção começou e desenrolouse. Depois que o projecto de protecção da ZEE foi aprovado pelo presidente
Guebuza em Setembro de 2012 e comunicado ao CEO da Privinvest, Iskandar Safa,
pelo então ministro das Finanças,
Manuel Chang, em carta datada de 3 de Setembro de 2012, começou a mobilização
de fundos para o seu financiamento. Na carta citada, Chang informou ao CEO da
Privinvest que Moçambique
não tinha dinheiro para executar o projecto. Disse que o proponente do
projecto - a Privinvest - devia se encarregar de arranjar financiamento, mas
que estivesse dentro das capacidades financeiras do país. A Privinvest já havia
identificado um banco para financiar o projecto de protecção da ZEE de
Moçambique: o Credit Suisse. Na verdade estava-se à espera da aprovação formal
do projecto, para iniciar-se a busca pelo financiamento.
Dois negociadores moçambicanos Do lado de Moçambique, duas figuras
estiveram na origem das dívidas, segundo Surjan Singh. Trata-se de Armando
Ndambi Guebuza e Teófilo Nhangumele. Apesar de nenhum deles ser funcionário do
Estado moçambicano à data dos acontecimentos, foram os principais negociadores
das dívidas ocultas, segundo e-mails mostrados ao júri por Surjan Singh. A 20
de fevereiro de 2012, Jean Boustani mandou e-mail a Said Freiha, então
funcionário sénior do Credit Suisse, apresentando Teófilo Nhangumele. Disse que
Nhangumele era chefe do projecto de protecção da ZEE de Moçambique, com mandato
do Gabinete do Presidente da República, Armando Guebuza. Nhangumele respondeu
ao email no dia 22 do mesmo mês, assumindo-se como representante do Gabinete do
Presidente Guebuza e copiando Armando Ndambi Guebuza - filho mais velho do
então presidente. Com Teófilo Nhangumele e Ndambi Guebuza copiados, Jean
Boustani mandou outro email a Said Freiha, a pedir que o Credit Suisse enviasse
uma carta ao Gabinete do Presidente da República de Moçambique, Att. Armando
Ndambi Guebuza, a manifestar o interesse de conceder empréstimo a Moçambique e
indicar os termos do empréstimo. A carta, intitulada Mozambique Financing High
Interest Letter, foi enviada a 24 de Fevereiro de 2012, por Surjan Singh, tal
como indicado por Boustani. Na Carta, a Credit Suisse informava que estava
interessado em conceder o empréstimo de 350 milhões de dólares a Moçambique,
sendo 150 milhões de fundos do banco e 200 milhões de investidores. Por este
empréstimo, iria cobrar 2,85% de comissão, a taxa de juro seria Libor 6,5% e o
período de maturidade de 5 anos. A proposta do Credit Suisse for rejeitada pelo
Ministério das Finanças de Moçambique. Em email datado de 26 de Junho de 2012,
Teófilo Nhangumele comunicou a Jean Boustani que a proposta da Credit Suisse
havia sido rejeitada pelo Ministério das Finanças, pois violava termos de
acordo do Governo de Moçambique com o Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre
a capacidade de endividamento de Moçambique. Chang informou que Moçambique só
poderia aceitar um empréstimo concessional (taxas de juro bonificadas e longo
período de maturidade). O Credit Suisse pareceu ter se conformado com a
desistência de Moçambique do empréstimo. Respondeu por email que não concedia
empréstimos concessionais. Mas tudo mudou três meses depois. No dia 3 de
Setembro de 2012, Chang comunicou por email a Iskandar Safa que o projeto de
protecção de ZEE havia sido aprovado pelo presidente da República e que o
Prinvinvest devia começar a mobilizar o financiamento. No mesmo dia, Teófilo
Nhangumele informou a Jean Boustani por email que o projecto havia sido
aprovado e ele (Teófilo) e Júnior (Ndambi Guebuza) e uma outra pessoa descrita
como “detentor do passaporte manuscrito” iriam visitar Abu Dhabi na semana
seguinte para se reunir com Iskandar Safa. Jean Boustani organizou o encontro
entre Iskandar Safa, CEO da Privinvest, Armando Ndambi Guebuza, filho do
Presidente da República e Teófilo Nhangumele, apresentado como líder do
projecto de proteção de ZEE, em Abu Dhabi, no dia 11 de Setembro de 2012. No
dia seguinte, 12 de Setembro de 2012, Jean Boustani escreveu para executivos do
Credit Suisse, incluindo Surjan Singh, a comunicar a revira-volta no empréstimo
que havia sido rejeitado. Disse que o mesmo foi aprovado no encontro do dia 12
de Setembro e teria andamento. De 350 milhões à 2 mil milhões de dólares O
valor aprovado para financiar o projeto de protecção da ZEE era de 350 milhões
de dólares. O Credit Suisse queria que o Governo assinasse contrato de empréstimo
directo com o Ministério das Finanças. Mas por decisão comunicada por Teófilo
Nhangumele, o empréstimo devia ser concedido a uma empresa detida 100% pelo
Estado e com garantias soberanas do Estado. Foi assim que foi criada a
ProIndicus, detida pelo Estado, para assinar o contrato de empréstimo, com
garantias do Estado. Com o acordo de financiamento alcançado, começou a busca
pelo dinheiro. A Credit Suisse só tinha 150 milhões de dólares de capitais
próprios para conceder empréstimo e o restante valor tinha que se ir buscar
junto de investidores globais, incluindo os EUA. São estes investidores que
mais tarde instauraram processos crime na justiça norte-americana, quando as
empresas moçambicanas falharam o pagamento dos empréstimos. Aumentar volume de
empréstimos para ganhar mais comissões Em declaração ao tribunal no dia 16 de
Outubro, Andrew Pearse, outro funcionário do Credit Suisse que se declarou
culpado no caso das dívidas, disse que o valor inicial de empréstimo aumentou
de 350 milhões de dólares para mais de 2 mil milhões de dólares pois a
Privinvest prometeu que quanto maior fosse o valor de empréstimos a mobilizar,
maior seria a comissão ilegal a receber. “A venda dos empréstimos e a venda dos
títulos foram projectadas para maximizar o valor dos empréstimos que poderiam
ser fornecidos para os projectos, e era importante para o réu (Jean Boustani) e
para mim mesmo, que maximizássemos o tamanho dos empréstimos e, eu sabia que a
única maneira de fazer isso era envolver investidores”, disse Pearse no dia 16
de Outubro. De seguida explicou porque era necessário maximizar o valor dos
empréstimos: “alcancei um acordo com o réu
e seu chefe, Iskandar Safa, para receber 2,5% da quantia de qualquer aumento
nos empréstimos da Proindicus acima dos 372 milhões de dólares originais”,
disse Pearse. Com a maximização dos empréstimos, o valor projectado para
protecção de ZEE, aumentou de 350 milhões de dólares para os atuais mais de 2
mil milhões de dólares. Deste valor, 10%, equivalente a 200 milhões de dólares,
foi gasto em subornos e comissões ilegais, segundo a acusação norte-americana;
713 milhões de dólares foram gastos em sobrefacturação da Privinvest no
fornecimento de equipamentos e serviços a Moçambique; 500 milhões de dólares, o
Governo moçambicano não justificou a sua utilização e acreditase que foi usado
para compra de armamento. O testemunho de Surjan Singh continua esta
quartafeira e promete trazer mais revelações.
Fonte: CIP
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