Dívidas Ocultas: A longa lista de beneficiários
N o terceiro dia do interrogatório “amigo” a Jean Boustani, uma das peças
chaves no escândalo das “dívidas ocultas”, o juiz William Kuntz II, temendo que
as revelações ficassem mais uma vez pelo meio, pediu ele próprio ao réu que
esclarecesse as abreviaturas a quem o pagador da Privinvest deveria mandar os
cheques.
Trata-se de um
dos “mails” mais circulados no Tribunal de Brooklyn e é uma instrução interna
(da Privinvest) entre o executivo dos projectos em Moçambique, Jean Boustani e
o chefe de contabilidade da companhia, Najib Allam, referindo pagamentos
orçamentados para diversos moçambicanos.
Eis a lista e as
justificações apresentadas por Boustani para os pagamentos:
A: 4, uma sigla a
que foram dados vários significados, neste caso eram quatro milhões de dólares
para o partido Frelimo, para a campanha eleitoral de Filipe Nyusi.
Teo: 8,5, USD8,5
milhões pagos a Teófilo Nhangumele pela facilitação do contrato da Proíndicus.
Bruno: 8,5, Bruno
Langa recebeu USD8,5 milhões pelo mesmo motivo.
Chop: 7,
Chopsticks, “pauzinhos” nome de código de Manuel Chang para quem foram orçados
USD7 milhões para o ajudar no pedido de licença para abrir um banco e na sua
campanha para deputado em 2014.
Esalt: 3, Também “três beijos”, Isaltina Lucas
a então Directora Nacional do Tesouro que pediu dinheiro para o seu irmão
Osório Lucas, “director do porto de Maputo” (sic).
Ros: 15, António
Carlos do Rosário, director no SISE e PCA das três empresas securitárias,
dinheiro orçamentado para os seus pro jectos privados, sobretudo na área do
imobiliário.
Ros2: 2.1,
Rosário Mutota, agente do SISE, primeiro contacto de Boustani em Moçambique, só
cio de Teófilo Nhangumele na empresa Mulepe. Orçamentados USD2,1 milhões.
Prof: 1, Renato
Matusse, assessor de Guebuza, pediu dinheiro para Julgamento das “dívidas
escondidas” Descodificada a lista maldita - Nyusi recebeu 1 milhão para a sua
campanha eleitoral em 2014 Por Fernando Lima, em Brooklyn, Nova Iorque* equip
amento de escavação. USD1 milhão.
Eug: 1, Eugénio
Matlaba, CEO da Proíndicus, USD1 milhão. Inr:
1, Armando
Inroga, ministro da Indústria e Comércio na governação Guebuza. USD1 milhão
para desenvolver o projecto “offset” destinado a patentear equipamentos a
fabricar em Moçambique a partir de marcas do exterior.
DG: 13, Gregório
Leão, directorgeral do SISE. Orçados USD13 milhões para projectos de segurança
e os seus próprios investimentos pessoais.
Nuy: 2, Filipe
Nyusi, o actual presidente, contribuição para a sua campanha política (em
2014). Orçado USD2, mas FBI só encontrou justificativos para USD1 milhão.
Orçamento
especial
Na versão de
Boustani, as verbas fazem parte de um orçamento criado por Iskandar Safa para
pro pulsionar a implantação e desen volvimento da Privinvest em Moçambique. Na
sua filosofia, é como uma moeda de duas faces numa “slot machine”. “Uma face
pode ser investimento de futuro, a outra face, apenas construir relações,
lobbying”.
Para o efeito
Safa estabeleceu um orçamento de pagamentos para Moçambique no valor de USD125
milhões: USD60 para projectos a longo termo, USD65 para serem usados em 2014.
Ao seu advogado de defesa, Michael Schachter, Boustani disse que o dinheiro
entregue aos mo çambicanos não era para os recompensar pelos contratos, por
outras palavras não eram subornos ou “luvas”, a versão para a mesma lista
apresentada pelo Ministério Público.
Do orçamento
preparado para os mo çambicanos, foram mostrados vários pagamentos feitos a
António Carlos do Rosário, o direc tor da Segurança (SISE) que Guebuza indicou
como o responsável para todo o projecto de defesa costeira. Nas palavras de
Boustani, Rosário propôs que a Privinvest investisse com ele em imobiliário e
avançou a quantia de USD9 milhões. Por imposição do juiz, Boustani foi forçado
a re velar que a advogada Taciana Lopes, que antes trabalhara para o Crédit
Suisse nos empréstimos à Proíndicus e à Ematum, colaborou com a Privinvest na
elaboração dos contratos privados de Rosário. Uma das facturas submetidas pela
agência imobiliária Royal Agency era para a compra de um terreno atrás do Hotel
Radisson Blue no valor de USD2,8 milhões. O montante devia ser pago num banco
das Maurícias a favor da East African Real Estate Limited. O director do SISE
era tratado por Marechal, Hafido e Manuel Jorge. Noutra comunicação, Faizal
Umargi, aparentemente li gado à Real Empreendimentos, Lda pede para se reemitir
uma fac tura de USD200.000,00. Para Adriano Weng, um conhecido homem de
negócios em Maputo, são feitas três transferências para uma conta no BCP no
valor de USD3.250.000,00. Entre outras coisas, Taciana Lopes deveria verificar
se era legal um funcionário do Estado manter negócios privados. Na opinião de
Boustani, esta dualidade é normal em África. “Todo o funcionário público tem um
negócio privado em África, no Líbano, no Dubai”.
Rosário especial
Safa aprova a
“relação privada” com Rosário porque se insere no quadro de relacionamentos a
longo prazo com Moçambique e “ele é um dos que dirige o país” caucionando que o
relacionamento deve ser estruturado.
A Privinvest, da
conta Ematum, tinha já adiantado para Rosário montantes diversos e em várias
contas: Walid Construções, USD1.175.000,00, Arlete Varela Jardim,
USD280.000,00, Vera Botelho da Costa, USD280.000,00 e Ibrahim Hatia,
USD280.000,00. Estas despesas eram para serem feitas na Ematum e Boustani decla
rou em tribunal que não sabe se Rosário “meteu algum dinheiro no seu bolso”.
Também foi Rosário que submeteu a lista de carros “para ministros” no valor de
USD1,3 milhões porque, nas palavras de Boustani, “é tradicional na África os
empreiteiros darem prendas aos dirigentes depois da assinatura de um contrato e
era bom que a Privinvest fizesse o mesmo”.
Na versão de
Boustani, os mo çambicanos gravitando em torno do projecto inundavam-no de
pedidos de apoio. A defesa mostra mesmo um “mail” para o pagador Allam em que o
executivo diz “basta”. Era Rosário a pedir mais dinheiro para um projecto que
estava “a bombar, despejar e a puxar”. Matusse que tinha envolvido Izidora
Faztudo e Guilhermina Langa nos seus pedidos, também leva um “não” depois de o
projecto das escavadoras não ter ido para a frente. Ele diz que tem uma mina de
rubis e pode pagar em acções. Safa responde secamente: “Deixa isso”.
A Chang também
foi fechada a torneira. Mas antes houve uma ajuda via “Thyse International”
para uma conta do Banco Espírito Santo em Madrid, uma conta também no radar das
autoridades sul-africanas quando duvidaram das fracas posses do ex-ministro
detido na África do Sul. Chang jantou com Safa em França na preparação da
visita de Guebuza aos estaleiros da Privinvest na Normandia. Ele disse ao seu
interlocutor que não ia continuar ministro no mandato de Nyusi e que se queria
dedicar aos seus inúmeros negócios, para além da ambição de ser deputado. Ele
queria abrir um banco e trabalhar num projecto para criar um Fundo Soberano. Safa
deu instruções para lhe porem na conta USD5 milhões. Na lista de prendas a
amigos, há um nome que apesar de intensamente citado, não é mencionado por
Boustani. O nome de Ndambi Guebuza, o filho do presidente. Apesar da acusação
ter apresentado o pagamento à Apple Creek na África do Sul, via Pam Golding.
Apesar de “A” ser Armando para a acusação, orçamento “A” para Boustani . Apesar
da PGR em Moçambique ter encontrado o caminho para as contas no Dubai e Abu
Dhabi totalizando transferências no valor de USD33 milhões. * a deslocação a
Nova Iorque teve o apoio do FMO (Fórum de Monitoria do Orçamento).
*Título do blog
Excerto do Savana 22.11.2019
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