O Estado tem vários interesses, alguns estranhos ao bem-comum



Activistas das organizações da sociedade civil apontam para a falta de legitimidade de Filipe Nyusi para ocupar o cargo de Presidente da República, caso o Conselho Constitucional (CC) valide os resultados das eleições de 15 de Outubro passado, que lhe conferiram uma vitória folgada perante os seus adversários. O CC marcou para 15 de Janeiro próximo a investidura do chefe de Estado eleito
Porém, é entendimento comum da sociedade civil que as últimas eleições foram ganhas de forma fraudulenta, nunca antes vista no país, violando o básico princípio de direito à escolha numa democracia, facto que coloca em causa a nova liderança do país. Isto é agravado pelas notícias vindas de Brooklyn, em Nova Iorque, dando conta de que Nyusi terá recebido um milhão dólares do maior escândalo de corrupção no país para financiar a sua campanha eleitoral para as eleições de 2014
Este questionamento surge numa altura em que o relógio já marca o tic tac da contagem decrescente rumo a 15 de Janeiro de 2020, data marcada pelo CC para a tomada de posse do Presidente da República saído das últimas eleições gerais
E porque o CC ainda não validou os resultados eleitorais, a sociedade civil entende que há espaço para a reposição da verdade eleitoral.
Reunidos esta segunda-feira, com o mote de criar bases para o estabelecimento de uma rede de protecção dos activistas e defensores dos direitos humanos no país, os representantes de diferentes organizações da sociedade civil lançaram um olhar sobre a situação dos direitos humanos no país.
O Encontro foi organizado pelo Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD) e a SAHRDN, uma agremiação sul- -africana que também se dedica a promoção dos direitos humanos. Intervindo na ocasião, Adriano Nuvunga, director- executivo do CDD, disse que a situação dos direitos humanos no país não é das melhores, tendo reclamado pela violação do direito dos cidadãos à escolha do seu dirigente, um princípio fundamental da democracia. Segundo Nuvunga, o Governo que vai tomar posse a 15 de Janeiro do próximo ano, caso o CC valide os resultados eleitorais, resulta de eleições fraudulentas, facto que põe em causa a sua legitimidade.
Sublinhou que os sucessivos governos saídos de processos eleitorais tiveram como base a fraude, mas desta vez a violação da liberdade de escolha dos cidadãos foi gravíssima.
Manifestou preocupação com as organizações que têm defendido que as últimas eleições foram livres, justas e transparentes e desafiou as referidas agremiações para um debate franco e aberto de modo a provarem o que têm defendido.
A activista social Fátima Mimbire disse que para além da falta de legitimidade eleitoral, “Nyusi tem falta de legitimidade de conduta” por estar envolvido no escândalo das dívidas ocultas, a maior fraude financeira da história do país.
Durante julgamento em Nova Iorque, Jean Boustani, na altura único arguido do processo, disse que Filipe Nyusi, identificado como “new man” ou “Nuy” nos relatórios de transferências bancárias, recebeu um milhão de dólares em subornos
Nesse sentido, a sociedade civil deve agir com recurso a mecanismos próprios para que a verdade eleitoral seja reposta.
Para Mimbire, a violação do direito do cidadão à escolha está a dar uma indicação clara daquilo que será o comportamento do executivo nos próximos cinco anos, no que diz respeito aos direitos humanos e aos seus defensores.
Traça um quinquénio bastante sombrio para os activistas desta área e como indicador aponta o comportamento dos “milicianos digitais” ligados ao executivo que, dia após dia, destilam ódio contra os activistas.
Por outro lado, fala dos ganhos financeiros que o executivo vai encaixar da indústria do LNG e que vão resultar no fechamento do espaço de diálogo com o cidadão. Naldo Chivite, do FORCOM, também defende que as últimas eleições foram as piores na história democrática do país.
Entende que há que colocar a mão na cabeça e não se homologar aqueles resultados, pois trazem incerteza quanto ao comportamento do executivo, visto que não respeitam o básico direito de escolha.
Andamos a duas velocidades
A sociedade civil considera que os cinco anos de governo de Filipe Nyusi deram azo à violação dos direitos humanos.
Exemplificam com os assassinatos de Gilles Cistac e Anastácio Matavele, este último executado por elementos da brigada de operações especiais (GOE) da PRM.
A estes casos juntam-se os baleamentos contra o professor Jaime Macuane e o jurista Ericino de Salema, bem como os refugiados moçambicanos em Kapesi, no Malawi e as valas comuns na província de Manica
A sociedade civil manifesta preocupação com a falta de protecção dos activistas e defensores dos direitos humanos no país.
Há um entendimento de que é chegado o momento de unir esforços e agir, evitando os erros do passado, em que o compromisso de uma maior acção de contestação não se concretizava.
Descrevem a sua condição como sendo a mais vulnerável a actos de violência. No encontro desta segunda-feira também esteve o Estado, representado pela Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH). Foram lançadas sementes para a criação de uma coligação dos defensores de direitos humanos.
O estabelecimento da Rede Moçambique visa facilitar a promoção e reconhecimento dos defensores e activistas dos direitos humanos, como grupo vulnerável e precisa de assistência como parte do processo de desenvolvimento democrático e resistência ao fechamento de espaço.
Através desta iniciativa, o CDD passa a atender e assistir os activistas e defensores de direitos humanos em alto risco e conta com o apoio de fundos da OSISA.
Num caso recente de defesa de activistas de democracia, o CDD pagou cerca de 730 mil meticais de caução para a concessão de liberdade provisória aos 18 delegados da Nova Democracia, que estavam detidos na província de Gaza.
O presidente da CNDH, Luís Bitone, disse que a situação dos defensores dos direitos humanos não é boa, porque é frequente testemunhar agressões, intimidações e assassinatos de activistas, incluindo a perseguição a jornalistas.
Para Bitone, a principal fragilidade é a falta de mecanismo de defesa e neste momento, em caso de intimidação de activistas, só se pode recorrer a mecanismos internacionais como da Amnistia Internacional, União Europeia e Human Rights Watch.
Considerou aqueles mecanismos difíceis de aceder, devido à língua e burocracia, mas também dificuldades de cultura, pelo que é preciso criar um mecanismos nacional que seja efectivo e simples de recorrer
Classificou o país como aquele que anda a duas velocidades; por um lado, Moçambique é exemplo em termos de adopção de instrumentos de direitos humanos nacionais e internacionais, criação de instituições de promoção e protecção dos direitos como o próprio CNDH e Provedor de Justiça bem como a introdução de conteúdos sobre a matéria em instituições de ensino.
Mas, por outro lado, disse notar um fosso muito grande entre o compromisso e a prática.
Citou a fraca implementação da legislação, considerando-a pouco adaptada à realidade moçambicana; fraco domínio destas matérias por parte do judiciário, defensores de direitos humanos assassinados, ameaçados e raptados, sem respostas legais entre outros.
A criação de um mecanismo nacional de defesa dos direitos humanos e activistas deve, de acordo com Bitone, ser uma aposta que tem que ser levada até às últimas consequências, porque a CNDH é também vítima de falta de protecção.
Usam família para nos atingir
Por outro lado, a directora-executiva do Fórum Mulher, Nzira de Deus, disse que, apesar da sua agremiação ser especializada na defesa dos direitos mulheres, por sinal alinhadas com alguns objectivos do Governo, não escapa a ameaças de violência, com o intuito de enfraquecer a luta.
Disse ter um sentimento de que o Estado é o inimigo por ser o primeiro a avançar com ameaças de uso de força e mesmo difamação de mulheres activistas, nas redes sociais
Citou o caso da activista Fátima Mimbire, sobre quem uma deputada da Assembleia da República defendeu que fosse violada por dez homens, como retaliação pelo seu activismo.
Mas também falou de intimidação que algumas activistas do seu grupo sofreram no âmbito da preparação dos 16 dias de activismo. Avançou que, por vezes, se recorre a familiares próximos, incluindo filhos, cônjuges e pais, entre outros, para por em causa o trabalho desenvolvido pelos activistas
Alda Salomão, do Centro Terra Viva (CTV), fala de problemas de identidade do Estado, porque sãos agentes ou instituições estatais que têm intimidado os activistas. Anotou que um dos grandes problemas é que o Estado tem vários interesses, alguns estranhos ao bem-comum. É por isso que os activistas são importantes para a defesa das populações.
Partilhou a sua experiência na defesa do direito à terra das populações residentes nas áreas da indústria extractiva e as diferentes intimidações que sofreu, sob o pretexto de que estava a inviabilizar avultados investimentos para o país. Apesar destes constrangimentos, Salomão apelou à adopção de uma agenda nacional sobre os direitos humanos para a sensibilização das populações sobre os seus direitos e deveres.
União é base
 No entanto, João Pereira, director- -executivo da Fundação MASC, disse que chegou a hora de acabar com lamentações e partir para a acção. O primeiro passo, de acordo com o activista, passa por reduzir o grau de conflitualidade entre as ONGs, visando a criação de mecanismos de intervenção ao nível das províncias.
João Pereira defendeu que a iniciativa não se deve resumir a Maputo, porque é nas províncias onde há mais casos de intimidação e violência contra activistas dos direitos humanos. Para Pereira, a união será a base do sucesso para a nova campanha.

*título do blog

in Savana 13.12.2019

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