Professor Thomashausen e o veredicto de Boustani
André Thomashausen, especialista em Direito Internacional e observador atento da actualidade moçambicana, considera que seria um erro pensar que a absolvição de Jean Boustani implicaria a ilibação de Manuel Chang e de outros acusados no escândalo das dívidas ocultas, se forem julgados nos EUA.
André Thomashausen assinala que Jean Boustani foi um intermediário no esquema das dívidas ocultas, enquanto Manuel Chang “foi um dos principais autores do assalto às finanças de Moçambique”.
Sobre o impacto da decisão do tribunal norte-americano no processo de extradição de Manuel Chang, o jurista defende que não há relação entre os dois factos, porque a lei que regula a extradição entre os EUA e a África do Sul não mudou e o Ministério Público americano tem interesse em desencorajar grandes burlas financeiras cometidas por governos de “estados falhados”. Em torno do assunto “absolvição de Jean Boustani”, Thomashausen diz que a mesma revela a hostilidade dos júris populares norte-americanos em relação a investidores ricos que aplicam o seu dinheiro em negócios de risco. “A opinião pública americana é geralmente contra os envolvimentos dos EUA no estrangeiro, as pessoas pensam que é mau investimento, considerando que os EUA têm mais de 30 milhões a viver na pobreza absoluta”, refere.
Professor Thomashausen e o veredicto de Boustani Seria um erro antecipar absolvição de Chang Muitos sectores ficaram surpreendidos com a absolvição de Jean Boustani, tendo em conta o decurso do julgamento e os posicionamentos do juiz William Kuntz II.
O Professor também ficou surpreendido com o veredicto final?
Sim, porque a apresentação da acusação foi muito forte e boa e a atitude do réu Boustani foi caracterizada pela arrogância e falta completa de consciência desse indivíduo, que chegou a afirmar que o principal objectivo dele teria sido de manter os responsáveis em Moçambique “felizes e a bater palmas”. Aliás uma afirmação de desprezo racista.
Está convencido com a declaração “não culpado” do júri?
A decisão do júri afirma dois pontos: de que não quiseram endossar a interpretação legal vigente nos EUA de que a lei penal americana pode ser sempre aplicada quando uma transacção envolve ou passa pelo uso do dólar. E, segundo, que gente rica que investe em obrigações de tesouro de países desconhecidos e de alto risco não merece nem simpatia nem protecção legal especial. Ambos os pontos devem ser rejeitados, porque não são válidos na ordem jurídica dos EUA. Revelam a problemática dos julgamentos que dependem de júri composto de pessoas escolhidas por sorteio, uma prática rejeitada em todos os estados de direito, porque pode produzir julgamentos “selvagens”.
Desprezo para com os “ricos”
Que terá pesado para que Jean Boustani fosse absolvido?
O júri, composto de gente “da rua”, mostrou seu desprezo para com os “ricos” que arriscaram investir em obrigações de tesouro de alto risco e, por isso, de altíssimo rendimento. E não quiseram fazer justiça num caso em que o acusado é um estrangeiro que não reside nos EUA e fez o que teria feito em territórios estrangeiros. A opinião pública americana é geralmente contra os envolvimentos dos EUA no estrangeiro, as pessoas pensam que é mau investimento, considerando que os EUA têm mais de 30 milhões a viver na pobreza absoluta.
Uma vez que os factos imputados pela acusação do Estado norte-americano a Jean Boustani são os mesmos imputados aos outros acusados, pode se considerar que estes também serão absolvidos?
Se for o mesmo júri, é de antecipar uma inclinação semelhante. Mas os outros réus não são simplesmente intermediários como foi Boustani. São autores principais. Banqueiros suíços, geralmente desprezados e odiados em qualquer parte da opinião pública e os que encomendaram a fraude, tal como Chang.
Com a absolvição de Jean Boustani nos mesmos factos atribuídos a Manuel Chang mantém-se útil a eventual extradição de Manuel Chang para os EUA?
Sim, porque Chang não foi intermediário como foi Boustani. Foi um dos principais autores do assalto às finanças de Moçambique.
A absolvição de Jean Boustani poderá condicionar o ministro da Justiça e dos Serviços Correcionais da África do Sul?
Não vejo como. O pedido de extradição dos EUA continua o mesmo e a lei não mudou. Seria diferente, caso os EUA decidissem abandonar a acusação de Chang. Aliás uma amnistia em Moçambique dos crimes cometidos por Chang, tal como agora veio a ser sugerido por alguns fanáticos apologistas da Frelimo, não vincularia os EUA de forma alguma, porque nos EUA não se trata de aplicar a lei moçambicana, mas, unicamente, a lei penal americana, sendo interesse do Ministério Público americano o desencorajamento de grandes burlas financeiras cometidas por governos de estados falhados, agindo em conjunto com actores da sabotagem económica internacional.
MEDIAFAX – 06.12.2019
Comentários
Enviar um comentário