A versão do foragido Agapito no assassinato de Anastácio Matavele
O assassinato
de Anastácio Matavele ainda vai fazer correr muita tinta.
Na semana em que
se soube da condenação de parte dos autores materiais do crime, com penas entre
23 e 24 anos de prisão maior, Agapito Matevele, até aqui foragido, fez
revelações que podem mudar o curso da história, com a implicação do edil de
Chibuto e outros quadros da Frelimo a nível local.A morte de Anastácio
Matavele, activista e director do Fonga, deixou a nu o que já há muito se
suspeitava: a existência de esquadrões da morte no seio das Forças de Defesa e
Segurança (FDS). O que era para ser mais um crime para silenciar a quem pugna
por eleições justas, em processos eleitorais já de início inquinados de
irregularidades, acabou sendo o mote de um teste para as autoridades judiciais.
Se é verdade que a condenação dos autores materiais é motivo para celebrar, não
é menos verdade que o silêncio sobre os autores morais mancha todo o processo.
Quatro réus foram
condenados a penas que variam entre 23 e 24 anos de prisão maior. Alfredo
Macuácua, comandante da Subunidade da Unidade de Intervenção
Rápida (UIR) de
Gaza, Tudelo Guirugo, comandante do Grupo de Operações Especiais (GOE), e Edson
Sílica, patrulheiro do GOE que serviu como motorista do grupo de matadores,
foram condenados a 24 anos de prisão . Euclídio Mapulasse, outro patrulheiro do
GOE que estava na viatura no dia do crime, foi condenado a 23 anos de prisão
maior. Os quatro réus devem ainda pagar uma indemnização de 1.500.000 meticais
aos herdeiros de Anastácio Matavele, sendo que os advogados da
família haviam pedido uma indemnização de 35 milhões.
Mas o julgamento,
que em nada esclarece os autores morais, pode ter um novo rumo com as
declarações de Agapito Matavele, tido como chefe do grupo, até ao momento
foragido, que será julgado em processo autónomo, ele que efectuou um contacto
com o jornalista Arlindo Chissale, do jornal electrónico Pinacle News, disposto
a fazer “revelações bombásticas”.
Segundo Agapito
Matavele, o carro no qual o grupo de matadores se fazia transportar era a
pertença do presidente do Município de Chibuto, Henriques Machava,
desacreditando a narrativa de que a viatura teria sido vendida a Ricardo
Manganhe e que estava ainda em nome do edil de Chibuto porque o novo dono ainda
não havia feito o pagamento na sua totalidade.
Machava acabou sendo despronunciado, e Manganhe, que até foi
arguido no processo, acabou sendo absolvido por falta de provas do seu
envolvimento no homicídio de Anastácio Matavele.
“É mentira”, diz Agapito sobre o afastamento de Henriques
Machava do caso. “Todas as coisas eram patrocinadas, o município até tirava
dinheiro”, revelou.
Disse ainda que, por duas vezes, encontraram-se com
Henriques Machava. Foi num destes encontros que o edil disponibilizou a viatura
Toyota Mark X para fazer o programa do assassinato do observador do Fonga. “O
senhor Ricardo nunca foi comprador de nenhuma viatura ao presidente do
município”, disse, acrescentando que esta foi uma narrativa construída de forma
rápida para tirar o presidente do município do “barulho”.
Agapito Matavele, a quem os colegas no assassinato do
activista acusam de ter escolhido os homens que fariam parte da missão e também
de ter sido, junto de Martins Williamo, o autor dos disparos que tiraram a vida
de Anastácio Matavele, conta que na planificação do assassinato tiveram
encontros na sede provincial da Frelimo com o secretário provincial do partido,
Daniel Matavele, e a administradora de Chibuto, Brígida
Anita.
Arrolou ainda Fátima Cumbe, chefe do SISE, Raul Ossufo,
comandante provincial, com quem o grupo “várias vezes falou deste plano de
assassinato”.
Agapito disse estar cansado de viver como fugitivo e quer
revelar “essa farsa toda”.
Prefere, disse,
até ficar preso, mas a saber que lavou a sua honra. Agora está também foragido
de quem o ajudava a esconder, porque disse ter sido avisado da existência de um
movimento para que também ele fosse liquidado.
Ele, que foi a
única pessoa do grupo dos matadores que viu o seu salário interrompido, viveu
nos primeiros dias da fuga com os valores que os “superiores hierárquicos”
enviavam, mas agora também estes pararam de mandar o dinheiro. Agapito chegou a
pedir dinheiro para comprar medicamentos ao jornalista da Pinacle News.
‟Estamos a ser
dirigidos por criminosos” – Fátima Mimbire
A activista e pesquisadora Fátima Mimbire, ainda que celebre
a condenação dos autores materiais, entende que era importante que se buscasse
perceber o móbil e os mandantes do crime.
“Eu duvido que eles tenham assassinado Matavele por conta
própria. Que motivos esses indivíduos teriam para matar o Matavele?
Que ameaça representava para eles”, questiona.
Para ela, o Tribunal não se preocupou com os mandantes, que
são os que também interessa saber da identidade. “Gente grande quando quer
eliminar uma persona non grata não faz pessoalmente, comanda pessoas para o
fazer”, faz saber.
Chamada a comentar sobre as revelações do foragido Agapito
Matavele, a activista disse ser grave e preocupante que “haja gente nas nossas
instituições que vive dos nossos impostos, que se reúne e se junta para
conspirar contra o Estado”.
‟Este caso vem provar que temos criminosos nas nossas
instituições”, indicou. “Estamos a ser dirigidos por criminosos”, concluiu,
acrescentando que [estes criminosos] são capazes de fazer de tudo para não
perder os seus lugares no dirigismo público.
O assassinato de Matavele, fez notar ainda, revela como as
ligações partidárias são profundas nas nossas instituições. “Garantir a vitória
do partido é garantir a manutenção nas posições”, relacionou e sugeriu que as
pessoas citadas devam se fazer presente no Tribunal para assacar
responsabilidade.
MAGAZINE INDEPENDENTE – 23.06.2020
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