Relatório desvenda mistérios da Fábrica de Explosivos de Moçambique “investigada por fornecer explosivos a terroristas”
A Fábrica de Explosivos de Moçambique, que encomendou o nitrato de amónio, que recentemente esteve na origem da explosão em Beirute, devastando a capital libanesa, “foi investigada no passado por tráfico ilegal de armas e fornecer explosivos a terroristas”, revela o Projeto de Investigação ao Crime Organizado e Corrupção (OCCRP na sigla inglesa, Organized Crime and Corruption Reporting Project).
Num extenso
relatório sobre a explosão, a 4 de agosto, de milhares de toneladas de nitrato
de amónio, que causou a morte de dezenas de pessoas, ferimentos em milhares e
estragos avaliados em centenas de milhões de dólares, a organização diz ainda
que a Fábrica de Explosivos de Moçambique “é parte de uma rede de companhias
com ligações à elite governamental de Moçambique”.
O nitrato de
amónio pode ser usado como fertilizante ou para o fabrico de explosivos e a
quantia encomendada pela empresa moçambicana encontrava-se armazenada, no porto
de Beirute, desde 2013, depois do navio em que era transportado ter sido
apreendido por falta de pagamento e por violação de leis marítimas, por parte
da companhia proprietária do cargueiro.
A OCCRP diz que a
fábrica é controlada em 95 por cento “pela família do falecido empresário
português António Moura Vieira através de uma companhia com o nome de Moura
Silva e Filhos”.
O relatório
afirma que “Moura Silva e Filhos foi anteriormente investigada por alegadamente
fornecer explosivos usados nos ataques bombistas a comboios em Madrid em 2004,
que causaram a morte de quase 200 pessoas”.
“No ano seguinte,
depois de receber uma informação das autoridades espanholas, a polícia
portuguesa efetuou uma rusga a quatro armazéns que pertencem à companhia,
confiscando 785 kilos de explosivos, alegadamente escondidos do sistema de
inventariação”, acrescenta o documento.
Ligações com a
família Nyusi
A OCCRP diz que
“a companhia está ligada à primeira família de Moçambique e aos militares”.
“O atual
dirigente da Fábrica de Explosivos, Nuno Vieira, é desde 2012 o parceiro
empresarial de Jacinto Nyusi, filho do Presidente Filipe Nyusi, com quem possui
uma companhia de marketing e eventos”, revela o relatório que acrescenta que
“nesse mesmo ano, Vieira, juntamente com a companhia estatal de investimento
Monte Binga e os serviços secretos do país, fundaram a Mudemol, um fabricante
de munições e explosivos que fornecia os militares”.
“Filipe Nyusi era
na altura ministro da Defesa”, aclara o relatório, que acrescenta: “Monte Binga
foi desde então denunciada pelas Nações Unidas, por violar sanções
internacionais ao envolver-se em negócios militares com a Coreia do Norte”.
A organização
garante que a fábrica de explosivos que deveria ter recebido o carregamento de
nitrato de amónio, que acabou armazenado em Beirute, compartilha a sua morada
com a ExploAfrica, companhia parcialmente pertencente à família Vieira.
“Documentos
confidencias e governamentais compartilhados pela Project Conflict Awarness,
uma organização sediada nos Estados Unidos, com fins não lucrativos, demonstram
que a ExpploAfrica e os seus afiliados foram investigados pelas autoridades
portuguesas e sul-africanas por obterem armas checas e dos Estados Unidos, que
acabaram nas mãos de caçadores ilegais de rinocerontes e elefantes no Parque
Nacional de Kruger, na África do Sul, junto à fronteira com Moçambique”, revela
o relatório.
Bachir
Suleiman
Uma companhia
sul-africana "de fachada, alegadamente usada para comprar as armas,
Investcon, está estreitamente ligada a Bachir Suleiman designado pelo Governo
dos Estados Unidos como um traficante de drogas”, diz o documento.
A organização
acrescenta que um porta-voz da Fábrica de Explosivos, António Vaz Cunha, disse que
funcionários da Moura Silva & Filhos foram interrogados pela polícia, mas
“foram ilibados de qualquer crime”.
O porta-voz
acrescentou que as ligações empresariais da empresa com o filho do Presidente
moçambicano são “transparentes” e negou qualquer ligação com Bachir Suleiman.
“Todos os
negócios feitos pela ExploAfrica foram totalmente legais....Se houve qualquer
uso das armas para propósitos que não obedecem à lei, a ExploAfrica não é
responsável por isso”, acrescentou o porta-voz, António Vaz Cunha.
O relatório da
OCRRP fornece também extensos detalhes sobre os donos do cargueiro e dos seus
negócios, além de outros fatos relacionados com o incidente em Beirute. A parte
relativa a Moçambique é apenas um dos pontos do documento.
VOA – 25.08.2020
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