Eduardo Mondlane na FRELIMO

O CASAMENTO COM JANET MONDLANE Em outubro de 1956, Eduardo Mondlane casou com Janet Rae Johnson, cidadã norte-americana de origem sueca que conheceu num grupo de atividades religiosas. A união foi alvo de críticas tanto por parte dos missionários protestantes, como da própria família de Janet e, mais tarde, no seio da FRELIMO. As objeções prenderam-se essencialmente com o facto de ambos terem identidades nacionais e “raciais” distintas. Pouco antes do assassinato de Mondlane, difundiu-se um panfleto difamatório, intitulado “A Profile of Dr. Eduardo Mondlane”, contra o próprio em vários países africanos. Neste, o casamento com Janet provava que ele se tinha “nativizado” nos Estados Unidos, acusando o líder da FRELIMO de estar inserido numa conspiração com o governo norte-americano, destinada a fazer crescer a influência americana em Moçambique. Estas acusações tiveram um grande impacto tendo em conta o contexto de Guerra Fria. As entrevistas de Janet Mondlane a Nadja Manghezi levaram à publicação, em 1999, de um livro de memórias “O meu coração está nas mãos de um negro”. Nele podemos ler a perspetiva de Janet Mondlane sobre os acontecimentos da sua vida com o lutador pela independência de Moçambique, bem como alguns excertos de cartas trocadas entre ambos em diversas fases das suas vidas. O livro acaba por revelar um lado emocional dos intervenientes que não será tão fácil de aferir em outro tipo de fontes históricas. É tendência em muitos autores ligar as posições políticas de Eduardo Mondlane, nomeadamente a sua atitude antirracista, com as suas posições emocionais pelo facto de ser casado com uma mulher “branca”. A mesma lógica também se poderia aplicar inversamente a Janet. Parece-nos, contudo, pouco rigoroso aferir o grau de preconceito de alguém com base nas emoções que nutre por uma pessoa. E se o trabalho político do casal Mondlane foi notável ao combater o sistema colonial racista em Moçambique, as memórias publicadas por Janet acabam por devolver a devida humildade a ambos, enquanto seres humanos inseridos nas suas circunstâncias. O casal teve três filhos: Eduardo Chivambo Jr., Jennifer Chude e Nyelete Brooke, sendo que a mais nova nasceu em 1962, ainda antes da fundação oficial da FRELIMO. Os três assistiram à dedicação dos seus pais na luta anticolonial de Moçambique. A VIDA PROFISSIONAL NO SEIO DA DIPLOMACIA Em 1957, Mondlane foi convidado pela Organização das Nações Unidas para trabalhar como investigador (Assistant Social Research Officer) no Conselho de Tutela. A sua principal função era elaborar documentos e estudos nas áreas económicas e sociais relativos aos protetorados do Tanganica, Camarões Britânicos e o Sudoeste Africano. Foi no seio da sua atividade na ONU que Mondlane conheceu Adriano Moreira, membro da delegação portuguesa em 1957 e que veio a ser a Subsecretário de Estado da Administração Ultramarina, em 1960, e Ministro do Ultramar, em 1961. Segundo o testemunho de Janet Mondlane e a correspondência entre ambos, Moreira e Mondlane tornaram-se amigos em Nova York e mantiveram uma relação cordial nos anos que se seguiram. Esta amizade confirma a atitude diplomática e convergente dos dois, até certo ponto. Se lermos a comunicação de Moreira na Sociedade Geografia de Lisboa, em que reagia à Conferência de Bandung dois anos antes de conhecer Mondlane, rapidamente nos apercebemos que a sua perspetiva em relação às colónias era redutora e absolutamente iludida quanto às condições de vida da população colonizada. E, portanto, podemos dizer que a sua impressão de Eduardo Mondlane como académico brilhante, funcionário relevante da ONU e pai de família bem-sucedido não ia em contradição com aquilo que ele acreditava que podia ser o destino de qualquer habitante das colónias, na mentalidade colonial que obedecia ao conceito perverso de “missão civilizacional”. Ainda assim, Janet Mondlane afirmou numa entrevista que Adriano Moreira era uma personalidade interessante que sabia manobrar a ditadura de Portugal. Além disso, de acordo com alguns autores, Eduardo Mondlane mantinha relações de amizade com outros membros da delegação portuguesa, aproximando-se do diálogo diplomático com as instituições portuguesas. Como investigador da ONU, Mondlane vajou até Moçambique para escrever um relatório estratégico sobre as condições de vida dos moçambicanos sob a autoridade colonial portuguesa. Em 1960, Eduardo Mondlane aproveitou uma das suas visitas aos protetorados e viajou até Moçambique, onde permaneceu durante quatro meses. O seu cargo nas Nações Unidas permitiu-lhe disfrutar de uma relativa segurança durante a sua visita, ainda que sob vigilância apertada por parte da PIDE. Nesta estadia elaborou um relatório estratégico, intitulado “Present Conditions in Mozambique”, que apresentou a Chester Bowles do Departamento de Estado dos EUA em maio de 1961. Na sua análise, Mondlane observou as condições de vida da população com base na divisão identitária racializada de matriz colonial (“negros”, “brancos”, “mestiços”, “assimilados” e “asiáticos”). A opressão política, a falta de estabelecimentos educativos e a subserviência económica permaneciam para todos os indivíduos racializados, sobretudo para os considerados “negros”. O relatório concluía que era evidente o crescimento em Moçambique de um sentimento generalizado contra Portugal e contra os portugueses, sendo reforçado pelos eventos militares que estavam a ocorrer em simultâneo no resto do continente africano e, sobretudo, no território vizinho de Angola. A independência de Moçambique era, pois, uma inevitabilidade, e seria necessário encontrar uma forma de negociação pacífica entre a então colónia e Portugal, evitando uma situação de guerra como a de Angola. Nesta fase, a estratégia adotada por Mondlane passava pela ação diplomática global, num esforço de angariar a simpatia externa e assegurar a independência ideológica da luta no eixo da Guerra Fria. Foi depois desta viagem que Mondlane decidiu deixar definitivamente as Nações Unidas e regressar a Moçambique para organizar um movimento político anticolonial. Alguns autores afirmam que foi a desilusão que o sociólogo sentiu ao confrontar-se com a realidade que se vivia na sua terra que fez com que abandonasse a sua situação confortável em Nova Iorque e passasse a dedicar-se exclusivamente à luta anticolonial em Moçambique. Não foi, no entanto, apenas a apontada desilusão que pesou na decisão de Eduardo.Também pesaram, e talvez com mais importância ainda, as relações estabelecidas com outras figuras políticas que frequentavam o mesmo círculo diplomático, tais como Julius K. Nyerere e Amílcar Cabral. O primeiro havia sido um dos fundadores do partido Tanganyika African National Union (TANU) e, em 1959, foi nomeado primeiro-ministro desse território semi-independente. Nos anos até à independência, em 1962, Nyerere ia muitas vezes a Nova Iorque como peticionário nas Nações Unidas, estreitando relações com Mondlane e outros ativistas anticoloniais africanos. Nestes contactos, Nyerere assegurou o apoio do seu futuro governo (depois da independência do Tanganica) ao trabalho de Mondlane na organização de um movimento independentista para Moçambique. Quando Mondlane deixou o seu trabalho nas Nações Unidas em junho de 1961, aceitou temporariamente o cargo de professor na Syracuse University na mesma cidade, esperando pela independência do Tanganica, que se afirmou estado soberano em dezembro do mesmo ano. Amílcar Cabral, fundador do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), também fazia parte do grupo de líderes anticoloniais peticionários na ONU. Presença assídua nas sessões dos órgãos da ONU consagradas às colónias portuguesas, o líder político empenhou-se em concertar esforços entre os diferentes movimentos anticoloniais africanos para a prossecução de um objetivo maior: acabar com o sistema colonial português. Desde 1958 que Amílcar Cabral assumia a liderança do Movimento Anti-Colonialista (MAC), herdeiro do Movimento Democrático das Colónias Portuguesas, criado por Agostinho Neto em 1954. O MAC deu lugar à Frente Revolucionária Africana para a Independência (FRAIN) que, em abril de 1961, foi substituída pela Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP). De entre os seus partidos membros encontrava-se o PAIGC, liderado por Cabral. Além disso, a CONCP tinha como secretário o moçambicano Marcelino dos Santos. Por esta altura, Eduardo Mondlane já conhecia e estabelecera contactos com os movimentos e partidos que se haviam formado para combater o colonialismo em Moçambique: MANU, UDENAMO e UNAMI. Recusando-se juntar a qualquer um deles em separado, o então sociólogo exerceu pressão para que os grupos se reunissem numa frente unida para tornar a luta anticolonial mais eficiente. Esta ideia já tinha sido apresentada pelo comité central da UDENAMO à MANU, mas as pressões exercidas pelo presidente do Gana, Kwame Nkrumah, influente na UDENAMO, e pelo presidente do Tanganica, Nyerere, influente na MANU, impediram um acordo prévio entre os movimentos. Em junho de 1962, na All Africa Freedom Fighters Conference, em Winneba, a junção dos movimentos MANU, UDENAMO e UNAMI foi anunciada com a aprovação do presidente do Gana, Nkrumah, o presidente do Tanganica, Nyerere e dos restantes presentes na Conferência. Esta tornou-se a data oficial da fundação da FRELIMO, da qual Eduardo Mondlane foi o primeiro líder. Mondlane tentou juntar vários grupos e movimentos pela libertação de Moçambique numa única frente anticolonial mais eficiente.

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